domingo, 28 de maio de 2023

O sol parecia ter desistido de aparecer naquele dia, deixando-nos com uma sensação de tristeza e vazio. O ar ainda estava úmido e carregado, como se o peso das nuvens que cobriam o céu tivesse se infiltrado em cada partícula do ambiente.


CAPÍTULO X
CALMARIA


A paisagem que normalmente seria colorida e vibrante estava agora coberta por uma camada de tristeza e melancólica. As folhas secas das árvores se moviam em um som ruidoso e constante pela brisa. 


Antes de partirmos, fizemos uma pequena homenagem a Harley, juntando algumas pedras e montando um túmulo improvisado com velhos pedaços de madeira. Deixamos ao lado sua comida favorita e a antiga pokébola, um pequeno tributo ao melhor amigo que Kat já tive.


Depois das coisas terem ficado mais calmas, dos ferimentos serem tratados, Kat contou finalmente a história de como tudo se desenrolou. Sobre seu Pokémon, aquele que eu já conhecia tão bem, ter fugido enquanto ela fumava do lado de fora. Eu podia sentir a culpa em sua voz enquanto ela continuava explicando como encontrou a criatura e implorou para que seu animal não lutasse, mas sua natureza violenta era mais forte do que sua vontade.


Eu tentava manter meus sentimentos sob controle enquanto Kat terminava sua história. Ouvir sobre a morte de seu companheiro e o perigo que ela mesma correu me deixava com o coração apertado, não conseguia imaginar isso aconteceu a...


Não havia motivação para mais nada. 


Warren, que conduzia, decidiu que o melhor seria pararmos o mais rápido possível em Motostoke para descansarmos e sermos vistos por um médico de verdade. Não tínhamos mais recursos e a comida estava começando a faltar, junto com o dinheiro.


Tess, me contou que faria alguns bicos pela cidade para juntarem mais uma grana e voltarem à vida nômade que sempre levaram e que nos despediríamos ali tal como havíamos planeado desde o início. 


O vento forte batia contra o carro enquanto as horas pareciam se arrastar. Cada um de nós estava em seu próprio mundo, observando a paisagem triste e sem vida que se estendia pela janela.


Passamos por um vilarejo distante e, apesar de terem planos de parar para conhecer as pessoas e a cultura local, a ideia não parecia tentadora o suficiente para nós. Tess olhou para trás e percebeu a expressão cansada e desmotivada no rosto da maioria de nós, e decidiu que precisávamos de uma pausa próxima a ponte do gigantesco lago Axewell.


Warren parou o carro no acostamento e nós saímos para esticar as pernas e respirar um pouco de ar fresco. Enquanto ele e Tess permaneceram próximos ao carro, Kat, Caleb, Ash e eu fomos para mais próximo do lago. 



Eu me sentei na beira do lago, observando as águas calmas e serenas refletirem as nuvens cinzentas que se acumulavam no céu. 


Mesmo com o tempo nublado e frio, a beleza natural daquele lugar ainda era capaz de me impressionar. A pequena ilha no centro do lago parecia um refúgio, um lugar tranquilo e isolado do mundo exterior.


Ash, que tanto falava, permaneceu em silêncio enquanto contemplávamos a paisagem. Ele segurava uma xícara de café, aparentemente em seus próprios pensamentos. Finalmente, após alguns minutos de silêncio, quebrou o gelo.


Era reconfortante ouvi-lo falar depois de tanto tempo em silêncio, mas ao mesmo tempo eu me sentia tensa, como se algo estivesse prestes a acontecer. Olhei para Ash e pude ver a luz refletida nos seus olhos acastanhados, como se estivesse procurando algo na minha expressão.


— É um lugar bonito.


De repente, um movimento na superfície do lago chamou nossa atenção. Um Gyarados forte e belo saltou da água, seguido por outros três Magikarp que pareciam acompanhá-lo. Fiquei maravilhada com a cena, observando cada detalhe enquanto eles pulavam e caíam de volta na água.


O tamanho do peixe era impressionante, tão grande que suas nadadeiras batiam na superfície e respingavam água em nosso rosto apesar da sua distância. Foi um momento emocionante, como se estivéssemos sendo presenteados com um espetáculo único e incrível. Eu senti meu coração acelerar com a emoção e a beleza da cena, e me vi sorrindo involuntariamente.


Kat, que estava em pé ao meu lado, também ficou impressionada com a exibição dos peixes. Caleb estava com o seu Dottler formando pequenos sons como se fosse uma batuca.


 — Incrível... - Ele disse, e eu concordei, ainda absorvida pelo espetáculo à nossa frente.


Observamos os peixes pularem e brincarem por mais alguns instantes, antes de finalmente mergulharem de volta nas profundezas do lago. Lentamente ouvimos os passos de Warren e Tess se aproximando, Tess se ajoelhou próximo de mim e Ash.


— Esta é uma época ótima para ver o florescimento das Gossifleur – disse ela, com um sorriso meigo. – Estava falando com Warren e vamos passar por um campo delas. Vocês gostariam de parar para ver?


Fiquei surpresa com a informação, pensando que as Gossifleur floresciam apenas na primavera. Tess notou minha expressão surpresa e explicou com delicadeza.


— Bem, a flor de uma Gossifleur precisa de muito sol quente para absorver, o que só acontece no verão. As histórias dizem que elas são um presente do Sol, que caíram do céu, e é apenas no dia mais brilhante do verão que a flor dourada no topo da cabeça floresce com pólen altamente curativo.


Fiquei encantada com a história e curiosa para ver essas flores especiais.


Eu me lembrava levemente o falar que os dias mais quentes do ano em Galar ocorriam entre as duas últimas semanas de agosto, mas era difícil dizer com certeza se isso seria uma verdade naquele ano em particular. 


No entanto, não pude deixar de notar que o céu estava mais nublado, sem nenhum raio de sol à vista e ainda havia chovido no dia anterior.  Eu me perguntava se Tess havia se esquecido desse importante detalhe meteorológico.


— Não sei se você reparou, mas... tá mais nublado que o normal. – apontou Ash.

—Não, Ash, não me diga.  Sou cega. – Tess rebateu. – Confiem em mim. 


Nos entreolhamos os cinco.


Caleb encolheu os ombros sem dizer nada, mas eu sabia que a pessoa que realmente decidiria era Kat. Ela ainda estava de luto, com o rosto marcado pelas lágrimas que havia derramado no dia anterior.


Eu sabia como era difícil lidar com a perda. Quando meu pai faleceu, eu me sentia sem rumo e sem saber como seguir em frente. Mas estar perto da natureza sempre me ajudava a encontrar um pouco de paz. Eu olhei para Kat e tentei imaginar o que ela estava sentindo, desejando que ela pudesse encontrar um pouco de conforto no passeio que Tess havia planejado.


— Vamos... – ouvimos ela murmurar.


🛡⚔️


Já fazia algum tempo que ainda e estávamos na estrada. Enquanto observava pela janela, podia ver as muralhas enormes e avermelhadas da cidade se aproximando cada vez mais. A sensação de excitação em minha mente e corpo crescia, pois estava finalmente chegando ao meu destino, conhecendo uma grande metrópole, porém o carro deu uma leve desviada seguindo outra estrada. 


Quando chegamos ao nosso destino, saímos do carro e começamos a caminhar em meio aos campos de grama verdejante que se estendiam diante de nós. Fiquei maravilhada com a beleza natural do lugar. Poucas árvores cresciam naquela área, o que era incomum em comparação a todas as outras zonas do parque pelos quais eu havia passado anteriormente.


Tess pediu por um momento para que tirássemos os sapatos e as meias e sentíssemos a grama em nossos pés. Estive hesitante no começo, afinal, que diferença isso faria? Mas eu confiava em Tess e sabia que ela tinha um bom motivo para isso. Então, segui o que me foi pedido.


Quando meus pés tocaram a grama macia e fresca, senti uma onda de energia percorrer meu corpo. Uma sensação de liberdade e conexão com a natureza tomou conta de mim. Respirei profundamente e pude sentir o aroma fresco da grama encher minhas narinas. O vento suave soprava em minha pele e o apesar da falta de sol me senti viva e renovada.


Tess sorriu para mim e eu soube que ela havia sentido a mesma coisa. Com os pés ainda descalços, caminhamos por entre as plantas e observamos as pequenas criaturas que viviam ali. Cada detalhe do lugar era magnífico, desde o brilho das gotas de orvalho nas folhas até a textura áspera da terra sob meus pés.


— Ah coisas que o capitalismo não compra... – Caleb falou, respirando fundo, caminhando alguns passos a nossa frente. 

— Como a sua falta de visão... – Warren debochou puxando o garoto pela gola da camisa, antes dele pisar o que parecia ser uma Bellossom. – Vê por onde anda, cara. 

— Desculpa princesinha. – Ele se desculpou com a flor, em um gesto engraçado e inocente.


Continuamos andando por mais alguns metros até chegarmos num largo campo, Tess suspirou cansada e com alivio, parou de andar indicando que finalmente havíamos chegado e felizmente havíamos chegado a tempo.  Porém, ao olhar em volta, não consegui encontrar as Gossifleur que esperávamos ver.



— Ué. – Deixei escapar desanimada, junto de Ash em uníssono. — Cadê as flores? 

— Estão ali. – ela apontou.


Tess apontou para as dezenas de plantas que se espalhavam pela extensão do campo. Eu as observei atentamente, percebendo que nenhuma delas tinha flores e pareciam estar dormindo, com um certo murchidão. Algumas plantas eram altas e robustas, enquanto outras eram delicadas e pequenas. Mas nada parecia estar tão vivo quanto esperávamos.


Quer dizer, nós sabíamos que não veríamos flor, mas pelos menos as criaturas se divertindo aqui e ali era algo meio que esperado em nossas cabeça. 


— Não estou vendo nada – falou Ash.

— Que flop. – confessou Caleb. – Era esse o campo de Gossifleurs que você queria? 


Kat ao nosso lado permanecia em silêncio, de braços cruzados e meio distante, Tess chamou-a e a garota pareceu garotar do seu pequeno desvaneio, caminhado para mais perto de nós.

Foi então que Tess começou a falar. Como Breeder, ela já havia visto diversos nascimentos de animais e ajudado em alguns partos de pessoas também. E através dessas experiências, ela aprendeu uma lição valiosa: a importância da paciência.


Enquanto falava, as nuvens que antes cobriam todo o céu começaram a se afastar, revelando o azul celeste que estava escondido atrás delas. 


Um raio de sol atravessou a abertura que se formou nas nuvens e atingiu o chão, iluminando-o com um brilho dourado. Fiquei maravilhada com a mudança repentina do tempo e como a luz do sol transformou o ambiente.


 As nuvens que antes pareciam ameaçadoras, agora se transformaram em uma paisagem agradável, como se um pintor tivesse mudado as cores da sua tela.


— A gestação de um animal é uma sinfonia majestosa entre a vida e a natureza —, Tess continuou. — Assim como o nascimento de uma flor é uma dança delicada entre a terra, a água e o sol. Ambos os processos exigem paciência e confiança. Não podemos apressar a flor para que ela desabroche mais cedo, nem podemos apressar o animal para que ele nasça antes do tempo.


Os ventos pareciam dançar ao redor de nós enquanto trazia consigo uma tropa de criaturas esvoaçantes, envolvidas em plumas de algodão. Suas vozes melodiosas eram uma música para os nossos ouvidos. Caleb, imerso em transe, fechou os olhos, se entregando à melodia que ecoava pelos campos, e eu senti o meu coração se aquecer com a beleza daquele momento.


As criaturas aladas deixaram uma trilha cintilante de sementes amarelas e água nas plantas que tocavam, exibindo um rastro luminoso iluminando as plantas que abrigavam aquele espetáculo natural.



Algumas delas pareciam ter um controle inato de seus corpos, pois flutuavam graciosamente, como mães acalentando seus filhos.


— Precisamos nos permitir ser guiados pelo fluxo natural do universo e confiar que o resultado será uma verdadeira obra-prima da criação. — ela concluiu.


As primeiras flores do campo então começaram a desabrochar uma após a outra, revelando pétalas douradas em plena exuberância.


Era como se a própria natureza estivesse conduzindo uma sinfonia majestosa, orquestrada em perfeita harmonia entre os elementos. As pétalas douradas se abriam lentamente, despertando para a vida, como se estivessem agradecendo ao sol por seu calor e à água por sua nutrição.


Fiquei maravilhada com a beleza que se revelava diante de nós. As Gossifleur agora levantavam voo, seguindo suas mães aladas, numa sinfonia de cores e movimento. Era como se tudo ao nosso redor estivesse ganhando vida, num espetáculo magnífico e arrebatador.


— Uma ficou para trás. Esta perdida – Kat falou pela primeira vez.


Observando a Gossifleur abandonada pelo seu bando, eu e Kat ficamos em silêncio. Enquanto as outras criaturas voavam em uníssono, aquela flor parecia dançar em seu próprio ritmo, sem se importar com o que as outras pensavam.


Decidi que deveríamos ajudá-la e convidei Kat para me acompanhar. Juntas, corremos pela grama alta e vibrante para alcançar a flor desorientada. Surpreendentemente, ela não demonstrou medo ou estranheza diante da nossa presença, mas, ao contrário, pareceu feliz em nos ver.


A Gossifleur tinha uma flor gigante, com protuberâncias vermelhas semelhantes a cabelos longos e exuberantes. Confesso que tive vontade de tocá-la, de sentir a textura delicada e macia em minhas mãos. Com muito cuidado, estendi a minha mão em forma de concha e a flor pousou gentilmente, sem medo, em minhas palmas.



Em seguida, a criatura alçou voo em direção à cabeça de Kat, brincando de um lado para o outro, antes de pular novamente em minhas mãos. Por um instante, pensei ter ouvido um riso suave da Gossifleur, como se ela estivesse se divertindo conosco. E então, por um breve momento, vi um sorriso estampado no rosto de Kathleen, o que me encheu de felicidade.


— Pensando melhor, acho que ela sabe muito bem onde está. – disse Kat com um pequeno sorriso para mim.


O outro bando de criaturas havia desaparecido no horizonte, mas a flor parecia muito satisfeita em nossa companhia. Ela voou até meu ombro e se aconchegou ali, e eu não pude deixar de sorrir.


— Será que ela quer ficar com você? -, perguntou Kat. Eu não tinha certeza, mas quando a flor voou para me encarar e deu um sorriso, eu tive a sensação de que ela estava me escolhendo. — Talvez tenha gostado do seu perfume. Você cheira bem, afinal de contas.


Eu retirei minha mochila das costas e procurei por uma pokébola lá dentro.


Confesso que imaginava que minha primeira captura de um Pokémon seria algo difícil, que Scorbunny teria uma batalha árdua, mas aqui, tudo que tive que fazer foi estender a Pokébola em direção a flor dourada do Pokémon, sugando-a para dentro do objeto e então a magia aconteceu. 


Decidimos voltar para onde os outros estavam, e durante a caminhada, o silêncio pesava sobre nós. Eu caminhava com a cabeça baixa, mergulhada em pensamentos, enquanto Kathleen me seguia em silêncio. Como pude me atrever a capturar um Pokémon logo depois de presenciar a perda do seu da maneira mais brutal possível?


O caminho de volta parecia mais longo do que antes, cada passo pesando em meu peito.

— Kat... Eu... – comecei a falar, mas ela me interrompeu rapidamente.


— Está tudo bem, Glória – disse ela com voz suave – A culpa não foi sua ou de ninguém do grupo. O Warren tinha razão, ele pode ter parecido duro, mas era a verdade, naquele momento Harley já tinha morrido. E a culpa foi exclusivamente minha...


Eu senti uma pontada de tristeza no meu coração. Não importava o que ela dissesse, Kat ainda se culpava pela morte de Harley. Eu queria ajudá-la a superar isso, mas não sabia como.


— Não foi isso que ele quis dizer... – tentei argumentar, mas ela me cortou novamente.


— Eu sei. – disse Kat com um suspiro – Mas é o que eu penso todos os minutos e me culpo ainda mais por não ter conseguido fazer nada depois disso. Proteger a Nickit, você, Ash e os outros. Vocês todos poderiam ter morrido pela minha irresponsabilidade, por não saber a hora de dizer não para Harley...


Eu pude sentir a dor na sua voz e nos seus olhos. Kat parecia que iria quebrar a qualquer momento. Eu sabia que ela precisava de alguém para ouvi-la, e decidi me aproximar.


— Você não precisa se remoer, se culpar, Kat. Isso só vai acabar lhe fazendo mal. – disse eu enquanto colocava a mão em seu ombro – Você fez o que pôde, e Harley tomou suas próprias decisões. Não é culpa sua.


Ela olhou para mim, seus olhos cheios de lágrimas. Eu queria dizer algo mais para confortá-la, mas antes que eu pudesse falar, ela tomou uma decisão.


— Eu não vou mais repetir o mesmo erro, Gloria. – disse ela com uma voz firme – Preciso engolir o meu choro e ser forte, minha Nicki também perdeu um amigo, ela precisa de mim também. Para a próxima eu irei saber a hora de parar. Irei me responsabilizar e proteger todos. Não irei perder mais ninguém.


Eu sorri para ela, admirando sua coragem e determinação. Kat era uma guerreira, mesmo nos momentos mais difíceis. Eu sabia que ela seria forte o suficiente para superar qualquer obstáculo que aparecesse em seu caminho.


Ela parou de andar e segurou minha mão. Eu podia sentir suas mãos trêmulas, o que indicava que ela estava se segurando para não chorar. Sua expressão estava carregada de tristeza e arrependimento.


— Quero que me prometa que não será estúpida como eu. Você vai saber a hora de quando parar, com seu Scorbunny, Gossifleur, com você... - ela disse com voz trêmula.


Eu fiquei sem palavras, sem saber o que dizer para confortá-la. 


— Eu... Eu prometo... - eu respondi com a voz um pouco trêmula também.


Deixe um Comentário

Inscreva-se | Inscreva-se para comentar

- Copyright © Neo Pokémon Galar - Distribuído por Blogger - Projetado pela Neo Aliança -