domingo, 14 de maio de 2023

A fogueira crepitava suavemente à minha frente, iluminando a escuridão da noite de verão com um brilho reconfortante junto das estrelas. As suas brasas luminosas dançavam nos rostos sorridentes das pessoas ao meu redor, criando uma aura mágica e acolhedora. Me sentia tão feliz, tão em paz comigo mesma.


CAPÍTULO VIII
NOVOS VÍNCULOS
TESS


O verão era a minha estação favorita do ano, sem dúvida alguma. 


Era uma época do ano em que tudo parecia possível, quando o mundo estava cheio de oportunidades e aventuras. Havia festivais a cada esquina, música animada, comida deliciosa e pessoas fascinantes para conhecer. As plantas ficavam exuberantes e vibrantes, e os animais estavam em toda parte, vivendo suas vidas plenamente.


O ar estava perfumado com o doce aroma das flores e da grama recém-cortada. Os grilos cantavam uma sinfonia suave que se misturava perfeitamente com a voz melodiosa de Caleb e as notas do seu violão. Havia um calor suave que envolvia minha pele, enquanto me aconchegava ao lado do meu namorado, Warren.


Estar rodeada por tudo isso me fazia sentir profundamente conectada com o mundo. Sentia o amor dos meus amigos e isso me trazia uma sensação de alegria e gratidão que era quase esmagadora.



Fez-se um som de trovoada mais uma vez, mas aconteceu tantas ao longo do dia já nem mais nos assustávamos mais.


Estávamos nós os quatro sentados e reunidos, ouvindo atentamente a música muito bem cantada por Caleb. Sua pele achocolatada reluzia à luz das chamas, destacando-se contra o escuro da noite. Seus pequenos dreadlocks dançavam em harmonia com sua música, criando um efeito hipnótico que nos mantinha imersos na sua apresentação. 


Caleb era um performer nato, cheio de vida e energia, que tinha acabado de se juntar ao nosso grupo algumas semanas atrás, vindo diretamente de Alola. Sua presença alegre e ingênua era um presente para todos nós.


— Agora todo mundo junto, cantem comigo vai! – falou alto - 1, 2, 3... vai 

You were so automatic

So you know I had to have it

But lovin' you was a hazard

So I got my heart a helmet

I tried my best to be worth all your while

You just gotta let me go as I'm tryna let go of you

A letra da música ecoou em uníssono enquanto todos nós cantávamos juntos, envoltos na música e na alegria.


Quando a canção terminou, uma risada alta e animada tomou conta de todos nós, enquanto aplaudíamos Caleb pelo seu talento inegável. Levantei meu copo de bebida com entusiasmo, juntando-me aos outros em um brinde alegre. Kat, sempre um pouco desajeitada, tentou assobiar com um baseado entre os lábios, o que fez com que todos nós ríssemos ainda mais.


Caleb fez uma reverência graciosa, agradecendo a todos nós com um sorriso brilhante.


— Valeu mesmo, galera! Cês são fodas! – ele disse, Warren o lançou algumas flores e ele riu. – Amo ter fãs tão top assim, mas peraí, quanto vou receber pelo show? Não dá pra tocar de graça, né?


— Para de frescura, Caleb! — Kat zombou e Ash veio junto, como sempre. 


Mas Warren, tinha um truque na manga. Ele levantou-se e caminhou em direção a Caleb, colocando sua mão no ombro do amigo, exibindo suas unhas pintadas de preto, cabelos louros recentemente tingidos com minha ajuda.


— Calma, calma, calma galera. – Warren disse, sorrindo. – Não há melhor forma de pagar alguém tão talentoso como o Caleb do que com...

— Bebida! – interrompeu Ash.

— Isso mesmo!


Ele pegou uma garrafa de cerveja da mochila e abriu uma com a boca, girando a garrafa e deixando o líquido escorrer até aos seus lábios. Caleb recebeu uma lata e acabou abrindo-a do fundo, formando um buraco, e abriu sua boca para que ele pudesse beber sem se molhar.


— Vira, vira, vira... – dissemos todos, enquanto víamos Caleb terminar de beber em longos goles. 


Ele fez uma careta divertida, e quando terminou lançou a lata ao chão fazendo todos rirem mais alto. 


De repente, a atmosfera vibrante da festa foi interrompida por uma voz irritada. Me virei para olhar e vi uma garota de pijama rosa com caudas de Pikachu e Eeeve, com os cabelos desarrumados e um olhar severo. Ela estava completamente furiosa conosco:


— Vocês podiam por favor diminuir o barulho?! — ela gritou. — Já são onze da noite, existem pessoas que querem dormir! 


— Ah, deixa de ser chata, mano! -  Ash retrucou enquanto tragava o baseado e soltava a fumaça ao ar.


Já esperava que Kat ficasse irritada, afinal, ela era uma garota que fervia em pouca água e não aceitava desaforo. Seus cabelos pintados de vermelho pareciam um aviso para não brincar com ela.


Para tentar acalmar Kat, coloquei minha mão em seu ombro, sentindo a tensão em seus músculos. Ela estava para explodir, e não queria que isso acontecesse. Foi quando a garota de pijama, ficou ainda mais chocada com a cena que se desenrolava diante dela.


— Você está fumando? Em uma floresta?  Isso é perigoso, pode causar um incêndio!


 Mas ela não parou por aí.


—  E a fogueira aberta? Vocês vão atrair Pokémon selvagens com tanta luz e comida! -  ela continuou correndo em direção à fogueira para tentar apagá-la. Warren, que estava ao lado da fogueira, tentou impedi-la, mas foi em vão, precisou da ajuda de Caleb para a impedir de avançar.


—  Ei!  calma aí! A fogueira está controlada, não tem perigo. – explicou Warren.

— E o cigarro não é meu, é da Kat. – continuou Ash, enquanto apagava o cigarro no chão.

— Vocês precisam ter mais cuidado! Não podem colocar em risco a vida dos Pokémon e nem das pessoas aqui. – concluiu a garota, preocupada.

—  Escuta, princesinha, quem você pensa que é para chegar aqui e querer mandar na gente? - Kat se levantou, Ash e eu tentamos puxá-la para perto de nós. - É alguma Youngster, por acaso?


— Tá vendo só? Eu bem avisei que a Kat só arranja problemas, a briguenta no grupo! – Ash riu, sem se importar com a situação.


— Briguenta é você, idiota! – Kat esbravejou, enquanto tentava se soltar das nossas mãos.



Senti uma onda de desconforto me atravessar. Tínhamos esquecido completamente que havia outras pessoas no acampamento que não estavam participando da nossa festa. Olhei em volta e vi que alguns dos outros campistas estavam saindo de suas barracas com olhares reprovadores.


Me vi obrigada a parar com aquilo antes que escalonasse mais, agora fui eu que me levantei e caminhei em direção a menina. O pessoal parou por um momento, os dois rapazes pararam de a segurar. 


— Desculpe-nos, não percebemos que estávamos fazendo tanto barulho — falei, sorrindo para ela com uma expressão de tristeza e empatia. — Não queríamos perturbar o seu sono ou o de ninguém.


Ela me encarou por um momento, com um olhar que parecia avaliar cada uma das minhas palavras. Senti um frio na barriga, enquanto aguardava a sua resposta. Então, ela suspirou e voltou para a sua barraca sem falar mais nada.


Eu senti um peso enorme sair dos meus ombros. A situação tinha sido evitada, e estava aliviada. Olhei para trás e vi que alguns dos outros campistas ainda estavam olhando para nós com desconfiança, enquanto outros já haviam voltado para suas barracas. Bati leves palmas para atrair a atenção do meu grupo, que olhou para mim em silêncio:


— Muito bem pessoal, a festa acabou... - bati nas costas de Warren. - Hora de irmos dormir. Todo mundo para o trailer, vá. 


A manhã seguinte foi um verdadeiro tormento para acordar. Enquanto todos pareciam estar mergulhados em um sono profundo e tranquilo, já estava lutando contra os efeitos de beber álcool a noite inteira. Fiquei olhando para o teto, incapaz de encontrar a motivação necessária para me levantar e começar o dia, cabeça latejando. 


Olhei para o lado e vi que Warren já estava acordado, mexendo no celular. Ele parecia tão tranquilo e descansado, o que só aumentou minha frustração. Aquele Motorhome, que tínhamos economizado por anos para comprar, era a nossa casa, e no momento estava toda suja, com roupas e copos jogados para todo o lado. 


Com um suspiro resignado, decidi levantar. Caminhei devagar em direção à pequena cozinha, sentindo o frio do chão de madeira embaixo dos meus pés descalços.


Levantei-me e fui em direção a pequena cozinha. Warren e eu tínhamos juntado dinheiro de anos para comprar aquele Motorhome, era antigo, mas confortável para que coubéssemos todos nós.  


Peguei os diversos cantis e garrafas de águas vazias da bancada e avisei baixinho para Warren que iria enchê-las no bebedouro lá fora, ele apenas concordou com a cabeça recebendo o recardo. 


Ainda vestindo meu pijama confortável e minhas pantufas aconchegantes, abri a porta e saí para o ar fresco da manhã.


Para minha surpresa, percebi que algumas pessoas já haviam deixado o ponto seguro, enquanto outras ainda estavam arrumando suas coisas. Algumas barracas estavam vazias e silenciosas, como se seus donos tivessem partido sem fazer barulho.


Decidi caminhar em direção ao bebedouro. Foi então que a vi: a garota de ontem, agora vestida com um lindo vestido rosa coberto por um longo casaco de lã. Sua pequena boina verde estava perfeitamente posicionada no topo da cabeça, adicionando um toque de fofura ao seu visual.


Não pude deixar de admirá-la enquanto ela enchia a própria garrafa d'água, ela cheirava muito bem, seus cabelos acastanhados caindo em ondas perfeitas ao redor do rosto delicado. Ela parecia tão diferente do dia anterior, com um ar de confiança e elegância que não pude deixar de invejar.


Abri um sorriso, aliviada quando a garota finalmente me devolveu o olhar. Mas esse sorriso foi rapidamente substituído por uma sensação de confusão quando ela trancou o rosto e afastou-se de mim. Foi então que percebi um pequeno coelho correndo até ela, bebericando a água da garrafa que ela segurava, depois ofereceu algumas pequenas cenouras que tirou do bolso.


Não sabia por onde começar, mas sabia que precisava tentar. Respirei fundo antes de me aproximar novamente.


— Desculpa de novo por ontem... – comecei. – Sei que agimos como idiotas e não tínhamos o direito de estragar o seu momento de paz.


A garota me analisou de cima a baixo, por alta e maior que fosse em comparação a ela. Estava nervosa, não tinha certeza se ela iria aceitar as minhas desculpas.


Ela revirou os olhos antes de falar, como se estivesse entediada com a minha presença.


— Que bom que alguém no grupo tem algum senso. – ela disse. – Mas tudo bem, já esqueci. Meio que não pedi da melhor forma também.


Senti um pouco de alívio e gratidão, agradecida por ela estar disposta a me perdoar.


— Não, que nada. Você tinha toda razão em estar zangada. – continuei. – E sinto muito pela minha amiga, Kat. Às vezes ela age sem pensar.


A garota soltou um riso e pude sentir a tensão entre nós diminuindo um pouco.


— Bem, ela meio que me assustou, não vou mentir.  – ela disse, rindo. – Mas não errou em ter me chamado de Youngster, já fui uma. 


Sorri, feliz por ter conseguido estabelecer um diálogo com ela. Ainda havia um pouco de estranheza entre nós, mas esperava que pudéssemos superar isso. Havia algo na garota que me atraía, uma espécie de aura corajosa e intrigante que não conseguia explicar.


— Por que não fica conosco para o almoço? – perguntei, tentando ser o mais amigável possível. -Tem algo para fazer essa tarde?

— Sendo bem sincera, tenho... Quero chegar a Motostoke ainda esta semana sabe? E como a minha caminhada vai ser a pé.

— Motostoke? Nós também vamos passar por lá – falei entusiasmada. – E temos um carro. Se vier conosco é capaz de chegarmos lá depois de amanhã. A viagem é quatro horas, mas nós gostamos de ir parando em algumas paisagens.


A menina parou para pensar, afofou o seu coelho e então balançou a cabeça confirmando.


— Tá bom, então... Muito obrigada. – levantou-se, o Scorbunny começou a correr em nossa volta, animado.

— Venha conosco, vou lhe apresentar ao pessoal. – então aos primeiros passos lembrei-me que não nos tínhamos apresentado: - Ah, e como se chama o seu amiguinho?

— Axel – ela disse, o Scorbunny parou de correr para encarar a treinadora ao citar o seu nome e depois para mim.

— Olá Axel. – cumprimentei o bicho com um sorriso, ele sorriu também para mim. — Meu nome é Tess, como se chama a sua dona?

— Gloria... – ela disse com um sorriso. – Meu nome é Gloria. 


⚔️🛡


Finalmente chegou a hora do almoço. Olhei em volta e percebi que a nossa mesa improvisada não era grande o suficiente para acomodar a todos, mesmo que expandíssemos ao máximo. Então, decidimos usar a mesa para os ingredientes e as bebidas, e comer fora do carro.

As pequenas cadeiras estavam espalhadas pelo chão, cada uma em um lugar diferente. Gloria teve sorte, pois sempre levávamos duas cadeiras extras para as pessoas que se juntavam ao nosso grupo. Inalei o cheiro delicioso que vinha da panela de Curry Kantoniano que Warren estava preparando. Ele era o nosso grande cozinheiro, e sempre nos surpreendia com seus pratos deliciosos.


Enquanto Warren mexia o conteúdo da panela, quase como uma bruxa mexendo o seu caldeirão, adicionando especiarias aqui e ali, Ash abanava o fogo com um leque, mantendo-o aceso. Comecei a cortar as batatas com cuidado, enquanto Gloria me ajudava. Kat estava preparando o arroz na cozinha do carro, e Caleb... bem, Caleb continuava tocando seu violão para nós, como uma rádio ao lado do seu Dottler. 


Cada música que pedíamos para ele, ele tocava com perfeição, fazendo-nos sentir como se estivéssemos em um concerto particular.


Os Pokémon estavam todos libertos, Vikavolt de Caleb zigzagueava por aí junto de minha Butterfly e Woobat de Warren. A Nickit brincalhona de Kat passava de vez em quando a nossa frente fazendo umas piruetas e logo voltava para brincar com seu colega Linoone e meu Ralts. Scorbunny de Gloria parecia liderar as brincadeiras, se divertindo com todos ao mesmo tempo enquanto puxava a atenção do medroso Shiinotic de Ash para a atenção. 


Greedent era o único afastado, próximo a um leve arbusto onde coletava algumas bagas, comendo já antecipadamente.


Enquanto saboreávamos a deliciosa refeição preparada pelo meu amor e Kat, senti a brisa fresca do ar acariciando meu rosto sob o sol quente do meio-dia. O curry picante era perfeitamente combinado com o arroz soltinho, proporcionando um sabor irresistível que fechou meus olhos em êxtase. A expressão de Gloria, com as mãos no rosto, exalava o mesmo encantamento que eu sentia.



— O Curry está uma delícia! – ela exclamou, com os olhos brilhando e segurando uma garfada de arroz. – E o arroz também, tá tão saboroso que não consigo parar de comer.


Ash interrompeu nossos devaneios culinários: — O Warren já foi chefe de cozinha, sabia? 


— Ainda sou. – corrigiu Warren.


Gloria ficou surpresa com a notícia, e não pude deixar de rir com a ironia da situação.


— Por causa das tatuagens, anéis e unhas pintadas? – Kat questionou, entre risos e garfadas. A confirmação de Warren só fez todos rirmos ainda mais. – Também não acreditei quando ele me contou.


— E você deve ser uma Desafiante, certo? – perguntei para ela, mais do que curiosa.  – Notei pela comida que deu ao seu Scorbunny. A dieta é quase perfeita para deixa-lo saudável e pronto para batalha. – Gloria arqueou a sobrancelha, bochechas cheias parecendo um Skwovet. – Quase porque adicionaria alfafa a e espinafre como fonte de proteína para ele. Mas tenha cuidado para não exagerar, pois o excesso de proteína pode ser prejudicial à saúde. 


— Eii... Alerta Nerd, – Caleb brincou, provocando risos de todos.


— Falou o Performante Mundial – respondi, sorrindo enquanto Caleb jogava um pedaço de pão no meu rosto em tom de brincadeira.


Warren, sentado ao meu lado, me abraçou e beijou minha bochecha:


— Tess aqui é a melhor Breeder Mundo, – ele disse com orgulho, fazendo meu coração acelerar. –  É verdade amor, me diga alguém que era melhor que você em Turffield?

— Eu. – Ash zombou. – Mas falando sério, você realmente é uma treinadora Gloria? Eu também sou, estou na segunda divisão e você?

— Na primeira.

— NA PRIMEIRA?! – Todos gritamos chocados.


A garota tinha talvez só um Scorbunny em seu leque e estava participando na primeira divisão do país? Ela com certeza era muito boa, mas muito boa mesmo. Ver Ash lutar já era uma beleza aos olhos imagina uma profissional da primeira divisão.


— Mas comecei agora... É o meu primeiro ano. – confessou. – tive apenas sorte de ser escolhida.


Ficamos calados ainda em algum estado de choque. Quer dizer, Ash era um treinador minimamente conhecido, já estava em seu segundo ano como treinador na segunda divisão mas sinceramente levava aquilo mais como um hobby, mas ter um treinador da primeira divisão na nossa frente realmente nos chocava. 


— Temos uma profissional entre nós. – disse Kat, bebendo da sua cerveja.


— Uma pergunta. – Disse Gloria, pousando o prato no chão e olhando para o grupo reunido. – Se você é treinador, você chefe, breeder e... – apontou para Kat, que apenas deu de ombros. – O que estão fazendo todos juntos?


Ash respondeu com um sorriso irônico: — Somos vagabundos, essa é a resposta. 


Gloria parecia confusa, e Warren, um pouco mais sério, explicou:

— A gente meio que vive livre por aí, sem rumo. Somos uma comunidade nômade. Caleb, por exemplo, se juntou a nós alguns meses atrás, mas vai nos deixar quando passarmos por Hulbury. 


Eu também me juntei à conversa.Como havia chegado ali, afinal? Ainda sentia a emoção do momento em que decidi abandonar tudo. O trabalho exaustivo de criar e treinar Pokémon, a pressão dos meus pais para ser perfeita e a vida monótona em Turffield. 


— Estava cansada da minha vida parada em Turffield, casa, trabalho, trabalho, casa. – falei para ela com um sorriso meigo. -  É uma vida estressante, os pedidos constantes em fazer um "Pokémon perfeito", viver em torno das expectativas dos meus pais... Bem, explodi e decidi deixar tudo para trás e viver a minha própria jornada


Ainda me lembrava do dia em que saí de casa sem olhar para trás. Tinha o coração acelerado, mas também sentia um alívio incrível. Agora, viajar como nômade me permitia encontrar novas experiências, lugares e pessoas. Era tudo o que precisava.


Enquanto ouvia os outros membros do grupo recontando suas histórias, percebi como cada um de nós havia encontrado a felicidade em nossos próprios termos. Warren havia largado sua carreira de chef em um restaurante de cinco estrelas em Wyndon para encontrar a verdadeira paixão de sua vida. Tess, sua namorada, havia se juntado a ele e agora ambos viajavam pelo mundo juntos.


Ash interrompeu, como de costume, com um tom zombeteiro: 


— Bem, já que está todo mundo contando sua backstories como personagens de anime... Comigo não foi muito difícil deixar minha casa, meus pais eram uns cuzões... um lar abusivo.


Aquilo me causou um nó na garganta. Não conseguia nem imaginar o que havia passado, mas estava feliz que agora pudesse viver em liberdade. Kat puxou o cigarro para fumar. 


— Não quero falar sobre isso... 


Ela não falava muito sobre si mesma. Sempre era a mais fechada do grupo, mas todos sabíamos que ela era uma pessoa forte e independente


Gloria desviou a conversa para outro assunto, tentando evitar qualquer tensão que pudesse surgir.


— E vocês não tem saudades de... – Gloria tentou falar, mas foi interrompida, por Warren.


— Das nossas antigas casas? Do conforto e rotina? Para caralho, às vezes. – confessou. – Mas sou muito mais feliz e limpo agora, não trocaria essa vida por nada. O tanto de pessoas que já conhecemos, se juntaram a nós e seguiram suas vidas, as tantas paisagens que já vimos... histórias que partilhamos, sonhos e pesadelos. Isto é viver... 


— E bem, teoricamente, você não é muito diferente da gente agora. – Ash completou e Gloria lhe deu razão, rindo.


Caleb, com seu violão, nos presenteou com uma melodia suave, e Gloria observava tudo com muita calma. O vento soprava gentilmente, os Pokémon brincavam ao fundo e o som da música se misturava com a natureza ao redor. 


Perdemos a noção do tempo enquanto curtíamos aquele ambiente perfeito. Foi só quando Kat terminou o seu baseado e se levantou que percebemos uma pequena luta se formando entre o Linoone dela e outro Pokémon do grupo. 

A natureza selvagem e travessa do gambá já era conhecida, e todos riram enquanto Kat corria para separar a confusão. Ainda assim, sentia uma sensação de paz interior, sabendo que, apesar das adversidades, estava exatamente onde deveria estar.


— Olha, a Cass está dando a louca de novo, vou dar um rápido passeio com ela para ver se tiro o estresse. – Ela avisou.


— Agora? – Gloria perguntou.


— Ela só está fugindo para não lavar a louça. – veio Ash mais uma vez provocar.


Kat lhe mostrou a língua de fora e, com um assobio, chamou a atenção dos seus companheiros para segui-la. — Não vou demorar muito, também vou aproveitar para fumar só mais uma. E não, não estou fugindo da minha louça. Portem-se bem. 


Ela então deixou-nos e caminhou em direção a trilha que levaria a floresta. Observei suas costas se afastando, a luz do sol refletindo em seus cabelos vermelhos enquanto ela caminhava em direção à trilha que levava à floresta. O som de seus passos se misturou ao canto dos pássaros e ao vento suave que soprava entre as árvores.


O resto então começou a arrumar o acampamento recolhendo nossas coisas e limpando a bagunça que havíamos feito. 


Eu sorri enquanto trabalhava. Era um momento simples, mas a simplicidade era bela e me preenchia de uma sensação de paz interior que me fez lembrar que a felicidade pode ser encontrada nas coisas mais simples da vida.


—Bem avisei que ela fugiu para não arrumar a louça. – resmungou Ash, fechando o saco do lixo - Ela odeia fazer isso.

— Para de reclamar, por favor – implorou Caleb.

— O que é? É verdade! No final a gente fez o trabalho todo.

— Ela já não devia estar aqui? – perguntou Gloria, preocupada. – Já foi já faz algum tempo.

— Relaxa, Gloria. A Kat sempre se junta a nós no final. Ela as vezes gosta de ficar sozinha. – Warren foi passando com a vassoura e recebi dele, ajudando-o a varrer o chão como devia ser, ele apenas sorriu, beijei sua testa. 


Ele era tão fofinho. 


Estava começando a anoitecer enquanto continuávamos a limpeza, a ansiedade começou a tomar conta de mim. Realmente, porque Kat estava demorando tanto? Será que ela estava bem? Não conseguia deixar de me preocupar com ela, mesmo sabendo que ela gostava de ficar sozinha. Minha mente ficou a vagar, tentando pensar em todas as possibilidades enquanto esperávamos seu retorno.


Tentei não pensar muito no assunto, desviando os maus pensamentos e enchendo de boas memorias, mas uma imagem de terrível de Kat sofrendo me invadiu com força, fazendo-me tremer.


Eu queria gritar, correr para encontrá-la, mas uma parte de mim sabia que isso era loucura. Não sabia onde ela estava, não sabia do perigo que a ameaçava. E então, quando pensava que não poderia suportar mais, um grito agudo, assustador, rasgou o ar. Minhas pernas falharam, minha respiração parou, meu coração disparou. 


— O que foi isso?! – Gloria perguntou em voz alta, completamente em alerta, e o som agudo e cortante ecoou em meus ouvidos, me deixando ainda mais nervosa.


Sem pensar duas vezes, Ash desatou a correr em direção à floresta, como se soubesse exatamente o que estava acontecendo. O coração batia tão forte no meu peito que achei que fosse explodir. Gloria veio logo atrás, junto do seu  Scorbunny, e tentei acompanhá-los, mas meu corpo parecia pesar toneladas. Cada passo era doloroso, cada respiração era ofegante e desesperada.


Eu conseguia ver Ash, Gloria, Caleb e Warren correndo à minha frente, mas estava ficando para trás. Era levemente mais lenta devido ao meu peso, e isso me fez sentir ainda mais impotente. queria gritar para eles esperarem por mim, para não me deixarem sozinha, mas não conseguia emitir nenhum som. Tudo o que podia fazer era continuar correndo, lutando contra a dor e o medo de que ameaçavam me consumir.


Aquela voz só poderia ser uma pessoa.


Eu murmurava para mim mesma, em um mantra repetitivo. Queria acreditar que ela estava bem, mas a voz dela parecia tão assustada, tão desesperada... tão...


 Oh meu Arceus, que tudo esteja bem...


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